quarta-feira, 22 de março de 2023

Preservação de Pavimentos

 

A falta de políticas de preservação de pavimentos é uma das razões pelas quais a pavimentação brasileira no geral é de baixa qualidade e de pouca durabilidade. No Brasil as concessionárias privadas de rodovias adotam técnicas de preservação de pavimentos em maior escala justamente para prolongar a vida útil da camada asfáltica e obter melhor custo-benefício em relação à manutenção ao longo dos anos.

O que é exatamente a preservação de pavimentos? É um conjunto de técnicas que busca minimizar os custos de manutenção no médio e longo prazo, com aumento da vida útil e preservação da qualidade funcional do pavimento. Para entender melhor de uma forma resumida basta visualizar os gráficos mais abaixo. O primeiro mostra dados publicados pela PPRA (Pavement Preservation and Recycling Alliance), uma aliança nos Estados Unidos que une três importantes entidades: AEMA (Asphalt Emulsion Manufacturers Association), ISSA (International Slurry Surfacing Association) e ARRA (Asphalt Recycling and Reclamation Association). Ou seja, entidades dos setores de emulsão asfáltica, lama asfáltica e reciclagem. A malha viária pavimentada dos Estados Unidos é muito maior em relação ao Brasil, o que necessita de técnicas de preservação para evitar que haja degradações com custos proibitivos de reabilitação posterior.

 A figura abaixo apresenta um estudo da PPRA sobre os custos da preservação de pavimentos em comparação com a reconstrução da rodovia. Visualizando a representação do pavimento a partir do ponto “A” ocorre o início de uma deterioração apenas superficial da capa asfáltica que vai aumentando gradativamente, passando para as camadas granulares de base. Quando chega no ponto “F”, os problemas já são estruturais e atingem o subleito. A rodovia quando inaugurada está no ápice de sua qualidade, porém ocorre uma deterioração superficial nos primeiros anos. Se não houver falhas de projeto e execução, o tempo estimado para uma primeira intervenção preventiva é de 5 anos mesmo que a camada asfáltica esteja avaliada entre excelente e boa. O custo desta intervenção é estimada em apenas 10% do valor de uma intervenção corretiva profunda, que pode ocorrer caso nenhuma manutenção seja realizada e a rodovia passe a sofrer de danos estruturais. Infelizmente este ponto é uma realidade muito comum das estradas brasileiras. O preço por não realizar manutenções preventivas é muito alto.

A execução de manutenções preventivas aumenta a vida útil do pavimento, evita altos custos de manutenções corretivas e prolonga a vida útil da estrutura da rodovia.


O seguinte gráfico apresenta os custos locais do estado do Hawaii, nos Estados Unidos. Mesmo com diferenças de custos unitários em comparação ao Brasil e da unidade de medida distinta, é fácil observar a diferença de custos entre as intervenções. Quando o pavimento está em bom estado, o custo de preservação é baixo. Quando o estado é regular (fair), o custo para refazer a parte superficial já aumenta em mais de 3 vezes. Quando o estado do pavimento é ruim (poor), o custo é cerca de 8 vezes maior em relação à preservação inicial. Quando o pavimento é péssimo (failed), o custo é de mais de 15 vezes maior para a recuperação.

Exemplo de custos nos Estados Unidos comprovam que o melhor custo-benefício em termos de manutenção para um pavimento asfáltico ao longo dos anos é a preservação inicial.


REALIDADE DO BRASIL

Qual seria a melhor técnica para preservação inicial de pavimentos no Brasil? O microrrevestimento asfáltico à frio, já adotado em larga escala pelas concessionárias de rodovias mas ainda em baixa escala pelo poder público.  A técnica que aplica em temperatura ambiente uma camada delgada de agregados miúdos e emulsão asfáltica é de rápida e fácil execução, podendo ser utilizada em qualquer tipo de obra de pavimentação onde esteja iniciando um processo de degradação superficial do pavimento. Não apenas em rodovias movimentadas, mas também em avenidas e ruas dentro de cidades, em estradas vicinais, etc. Segundo números da PPRA, o uso do microrrevestimento pode reduzir os custos do ciclo de vida entre 25% a 45% em comparação com os métodos tradicionais de recapeamento. Outro benefício é a redução em até 35% das matérias-primas utilizadas na pavimentação.


Microrrevestimento é uma técnica aplicada em temperatura ambiente e de rápida execução, sendo uma ótima alternativa para manutenção preventiva de pavimentos asfálticos quando surgem as primeiras trincas superficiais.

O uso do microrrevestimento cria uma espécie de proteção que prolonga a vida útil da capa asfáltica de rolamento e mantem preservadas as camadas estruturais do pavimento.


Em vias de baixo tráfego o microrrevestimento pode ser uma excelente solução caso haja uma base mais reforçada abaixo, substituindo justamente a camada mais cara da estrutura: a capa asfáltica de rolamento, construída com CBUQ (concreto betuminoso usinada a quente). Vários países já adotam para estradas de baixo tráfego a solução de construção de camada de base reforçada com emulsão asfáltica (em vez de bases cimentadas, que sofrem com trincas de retração que refletem para a capa de rolamento) e aplicação de microrrevestimento em substituição às camadas asfálticas convencionais em CBUQ, obtendo um pavimento de qualidade mesmo a um custo muito mais baixo. No Brasil onde mais de 80% das estradas ainda não são pavimentadas e muitas cidades ainda sofrem com poucas vias asfaltadas, a solução envolvendo camadas estabilizadas com emulsão e microrrevestimento pode ser uma excelente alternativa e o início de uma revolução para pavimentar o país onde menos de 15% das estradas são pavimentadas. 


Aplicação de microrrevestimento sobre base granular em uma obra urbana na Argentina.

QUAIS SÃO AS ALTERNATIVAS DE TÉCNICAS?

Embora a literatura técnica internacional seja muito ampla, há uma convergência para determinadas técnicas. Em uma condição do pavimento classificado entre ótimo e bom, o uso do microrrevestimento à frio é bastante disseminado a nível mundial, embora haja outras técnicas como chip and seal (tratamento superficial), ultra thin HMA (camada asfáltica a quente ultra-delgada) e slurry seal (lama asfáltica). Em uma condição do pavimento entre regular e bom, ocorre a remoção de uma certa espessura através da fresagem asfáltica e a execução de uma nova camada asfáltica a quente. No Brasil é a técnica mais utillizada até mesmo quando o nível de degradação é maior, quando há também problemas estruturais. Tecnicamente não é a recomendação quando há problemas nas camadas de base ou falta de capacidade de suporte das mesmas.

Em muitos países é adotada a técnica da reciclagem rasa (Cold-in Place Recycling, chamada também de reciclagem CIR), que é o corte, mistura e homogeneização somente da camada asfáltica no modo frio (temperatura ambiente, sem aquecimento). No Brasil a dificuldade é a ausência de equipamentos que executam tal técnica e a falta de homogeneidade das camadas asfálticas em nossas rodovias.

Por outro lado, o Brasil está bem equipado de máquinas recicladoras para a aplicação FDR (Full Depth Reclamation, ou reciclagem FDR). Conhecido também como reciclagem profunda ou reciclagem in-situ, esta técnica utiliza o equipamento para cortar, misturar e tornar homogênea as camadas granulares de base e a camada asfáltica em uma única camada intermediária do pavimento. A grande vantagem é poder adicionar materiais de reforço, tais como cimento, emulsão asfáltica ou espuma de asfalto, melhorando as propriedades técnicas e aumentando a capacidade estrutural do pavimento.

O uso de técnicas corretas permitem prolongar a vida útil do pavimento assim como melhorar a sua condição de acordo com o nível de degradação.



A reciclagem profunda (FDR) de pavimentos asfálticas é uma técnica excelente para recuperação estrutural. Nesta foto, a adição de emulsão asfáltica sobre uma base granular cimentada com problemas estruturais em função da disseminação de trincas por retração.


POR QUE UTILIZAR AS TÉCNICAS CORRETAS?

Como já mencionado anteriormente, a adoção de políticas de preservação de pavimentos com técnicas para manutenção preventiva reduz os custos e prolonga a vida útil de uma rodovia. Assim evitando chegar ao patamar catastrófico que o Brasil já atingiu, onde grande parte das rodovias pavimentadas estão em estado regular, ruim ou péssimo, o que exige um orçamento bilionário para a manutenção corretiva necessária para deixar as rodovias em um estado minimamente aceitável de qualidade.

 Os gráficos abaixo divulgados pela PPRA ilustram de maneira ainda mais clara a questão da política da preservação de pavimentos. Nos Estados Unidos, os pavimentos são projetados para durar pelo menos 15 anos, até atingirem a condição entre regular (fair) e ruim (poor).

Nos primeiros 75% da vida útil da rodovia, a qualidade diminui cerca de 40%. Já nos próximos 12% da vida útil, a qualidade diminui mais 40%. Há um ponto de aceleração da deterioração quando a rodovia atinge um estado entre regular e ruim, onde a reabilitação/reconstrução são as únicas opções tecnicamente viáveis.

Investindo em tratamentos preventivos, os proprietários da rodovia (poder público ou concessionária de rodovia) prolongam a vida do pavimento de maneira barata.

Ao realizar os tratamentos corretos ao longo do tempo, as rodovias podem obter 40 anos ou mais de vida útil. A base é mantida intacta, desde que haja também o controle do peso do tráfego que passa pela via.

Além disso, quando boas estradas permanecem boas, elas passam mais tempo acima da “linha de reclamação” (complaint line) entre as condições regular (fair) e boa (good). Assim reduzindo a manutenção, diminuindo os custos do usuário e levando a moradores, empresas e contribuintes mais satisfeitos. A gerência de pavimentos é fundamental para que haja essas intervenções no tempo certo.

Os custos entre cada tipo de intervenção também comprovam que a preservação de pavimentos com tratamentos iniciais adequados é questão de boa gestão. Segundo a PPRA, a cada US$ 2 investidos na manutenção preventiva na fase inicial de degradação (representado na curva em cor azul), seriam necessários entre US$ 4 e US$ 8 no caso de uma intervenção de recapeio com fresagem e nova pavimentação (representado na curva em cor verde). Já no caso de uma intervenção estrutural, o custo pode variar entre US$ 12 e US$ 18 (representado na curva em cor laranja) considerando reciclagem profunda FDR ou reconstrução total do pavimento.


 

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