O nosso pequeno
vizinho ao Sul do Brasil é um ótimo exemplo de que uma pavimentação de
qualidade pode ser alcançada. Algumas boas práticas, cuidados básicos e
principalmente treinamento das equipes permitem que a excelência nas obras de
pavimentação asfáltica seja alcançada. O Uruguai conseguiu atingir um padrão de
qualidade que o Brasil ainda não alcançou, mesmo em obras consideradas de
qualidade em nosso país ainda ocorrem erros básicos na execução.
Em minha recente visita a
obra no país vizinho em novembro de 2024 selecionei uma série de fotos para
explicar como que eles conseguem executar obras de qualidade, enquanto no
Brasil ainda seguimos cometendo uma série de erros básicos que comprometem a
qualidade e reduzem a vida útil de nossas obras de pavimentação asfáltica.
Transição para as misturas asfálticas mornas
Como já ocorre em países
desenvolvidos, o Uruguai já iniciou uma transição das misturas asfálticas à
quente (HMA – Hot Mix Asphalt) para
as misturas asfálticas mornas (WMA – Warm
Mix Asphalt). Já temos uma postagem sobre todos os benefícios técnicos,
financeiros e ambientais das misturas mornas aqui no Blog, assim como a
facilidade do seu uso.
Na obra que visitamos o
objetivo era diminuir a temperatura de produção do concreto asfáltico de 160°C
para 130°C, no entanto foi possível chegar a 120°C. A temperatura mínima que é
possível alcançar depende da usina de asfalto, do tipo de agregado, do cimento
asfáltico, da umidade local, entre outras variáveis. Nesta usinagem, as
emissões de VOC (compostos orgânicos voláteis) apresentaram uma redução de mais
de 80% em relação à mistura convencional à quente em 160°C.
Controle de temperatura através de termômetro de ponteiro.
Medição de emissões de VOCs (compostos orgânicos voláteis) e câmera térmica com gradiente de temperaturas..
Economia de combustível na usinagem
A redução de temperatura
de usinagem do concreto asfáltico em 40°C permitiu uma economia de combustível
superior a 35%. Isto traz economia para o proprietário da usina de asfalto,
reduzindo custos operacionais. No quesito ambiental, o menor consumo significa
menos queima de combustível fóssil e grande redução na emissão de CO2 na
atmosfera. Em tempos de extremos climáticos em nosso planeta, a descarbonização
na pavimentação passa também pela adoção das misturas asfálticas mornas.
Aplicação impecável com equipe enxuta
Da usina de asfalto para a
obra, a primeira impressão observada é o trabalho impecável que os uruguaios
conseguem executar com poucos trabalhadores. Na vibroacabadora de asfalto é
comum ver no Brasil equipes com inúmeros rasteleiros, mexendo e remexendo no
concreto asfático, muitas vezes sem a menor necessidade. Nesta obra no Uruguai
havia apenas um auxiliar ao operador que ajusta a mesa compactadora e um
rasteleiro de cada lado do equipamento, onde as intervenções manuais foram
poucas vezes necessárias durante a execução.
A vibroacabadora utilizada nesta obra é de alta qualidade, com aquecimento elétrico da mesa compactadora, o que garante um aquecimento homogêneo em toda a largura de pavimentação. No Brasil ainda há um grande predomínio das vibroacabadoras com aquecimento a gás através de pontos de chama para aquecimento direto das chapas alisadoras, sendo necessário ter um botijão de gás no equipamento que recebe concreto asfáltico em alta temperatura. Além do perigo há também a questão da falta de homogeneidade no aquecimento, principalmente no início dos trabalhos e em períodos frios do ano. É comum ver falhas no aquecimento no caso do uso de extensões mecânicas na mesa compactadora com aquecimento a gás.
A nível mundial está
praticamente extinto o uso de tal configuração nas pavimentadoras de asfalto, o
Brasil segue sendo um dos últimos países que ainda utiliza em larga escala e em
todos os tipos de obras, de pequenas ruas municipais até rodovias
concessionadas de alto tráfego.
Utilização de rolos compactadores de qualidade
Na maioria das obras pelo
Brasil há um grande descuido quanto aos rolos compactadores utilizados. Muitas
vezes são utilizados rolos improvisados, com adaptações grosseiras de rolos de compactação
de solos com cilindro único para permitir a compactação asfáltica. Essas
adaptações não são adequadas, pois os rolos compactadores de solos possuem
maior amplitude (altura alcançada pelo cilindro em relação ao solo durante a
vibração) e menor frequência (quantidade de ciclos por segundo) em comparação
aos rolos vibratórios de duplo tambor liso vibratório projetados para
compactação asfáltica. Amplitude e frequência inadequada podem prejudicar
bastante a qualidade e acabamento final.
A obra no Uruguai apresenta um bom exemplo desde a sequência de passadas dos rolos. Inicialmente é utilizado um rolo duplo vibratório, conhecido também como rolo tandem. O rolo de pneus entra posteriormente. No Brasil é muito comum utilizar a sequência ao contrário, entrando o rolo de pneus e posteriormente o rolo duplo liso vibratório, o que é um erro. Já tivemos postagem aqui no Blog sobre sequência correta e boas práticas de compactação asfáltica.
Mesmo no caso do uso
correto dos rolos, alguns opcionais que auxiliam a alcançar um bom resultado
final praticamente não são utilizados no Brasil. Nesta obra visitada no Uruguai
o rolo duplo liso vibratório apresentava um disco de corte na lateral. Este
disco é acionado hidraulicamente e executa um corte nas bordas de compactação,
deixando uma superfície inclinada e regular que favorece a boa aderência com a
camada asfáltica que será aplicada posteriormente na faixa ao lado. Já o rolo
de pneus estava equipado com uma lona ao redor dos pneus, o que ajuda a manter
temperatura adequada e evita que o asfalto aquecido seja aderido aos pneus, favorecendo
um bom acabamento superficial final.
Controle de passadas e utilização de densímetro
Raramente encontrado em
obras brasileiras, o densímetro não-nuclear é uma ótima ferramenta para
controle de compactação. Fácil de transportador e manusear, após a calibração o
densímetro informa o grau de compactação muito próximo do valor real sem
necessidade de retirada de amostras. Assim é possível verificar o número de
passadas necessárias para alcançar o grau de compactação desejado. Um erro
comum nas obras do Brasil é passar um número muito maior do que o necessário
para “garantir” a compactação, sendo que passadas em excesso pode causar efeito
contrário e gerar desagregação dos materiais, além do surgimento de trincas e
fissuras.
No caso específico desta
obra, por estar utilizando o aditivo surfactante para misturas mornas, houve
uma redução no número de passadas necessárias. Com uma espessura de 8
centímetros a camada asfáltica precisou de apenas 4 “fechas” (ida e volta do
rolo tandem e do rolo de pneus) para alcançar grau de compactação próximo de
100%.
Próximo passo: uso de RAP na usinagem de novas misturas asfálticas
Na agenda uruguaia de
“asfaltos sostenibles” (asfaltos sustentáveis) está previsto um início do uso
do material asfáltico reciclado, o RAP. Por ser uma indústria relativa pequena
quando comparada a países de maior população e extensão territorial, o Uruguai
ainda não havia iniciado processos para reutilização do material asfáltico que
estava sendo fresado de pavimentos envelhecidos pelo fato de que ainda não haviam
enormes depósitos de RAP como ocorre no Brasil.
Pelo fato de que praticamente todas as usinas de asfalto existentes no Uruguai são de fabricantes brasileiros, a tendência é que o reuso do RAP seja em dosagem ao redor de 20% na mistura e com adição direta ao misturador da usina. Aqui no blog tivemos já algumas postagens sobre a melhor forma de reaproveitamento de RAP (como neste texto de janeiro de 2024). Por se tratar de usinas de asfalto móveis sem aquecimento indireto do RAP com o material entrando ao misturador, tecnicamente a melhor solução é em combinação com misturas asfálticas mornas. Esta é a linha técnica que deve ser seguida no país vizinho, trazendo um grande grau de sustentabilidade e também uma grande economia aliando alta qualidade na pavimentação com o reaproveitamento do RAP.
O correto uso do RAP com estudo prévio do material e dosagem em laboratório permite reduzir o consumo do cimento asfáltico de petróleo, o material mais caro na pavimentação. A redução no consumo do ligante asfáltico virgem aumenta ainda mais o índice de sustentabilidade na pavimentação e traz ao mesmo tempo redução de custos.
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