domingo, 24 de novembro de 2024

Qualidade na Pavimentação: o bom exemplo do Uruguai

 

                      O nosso pequeno vizinho ao Sul do Brasil é um ótimo exemplo de que uma pavimentação de qualidade pode ser alcançada. Algumas boas práticas, cuidados básicos e principalmente treinamento das equipes permitem que a excelência nas obras de pavimentação asfáltica seja alcançada. O Uruguai conseguiu atingir um padrão de qualidade que o Brasil ainda não alcançou, mesmo em obras consideradas de qualidade em nosso país ainda ocorrem erros básicos na execução.

                     Em minha recente visita a obra no país vizinho em novembro de 2024 selecionei uma série de fotos para explicar como que eles conseguem executar obras de qualidade, enquanto no Brasil ainda seguimos cometendo uma série de erros básicos que comprometem a qualidade e reduzem a vida útil de nossas obras de pavimentação asfáltica.

 

                         Transição para as misturas asfálticas mornas

                   Como já ocorre em países desenvolvidos, o Uruguai já iniciou uma transição das misturas asfálticas à quente (HMA – Hot Mix Asphalt) para as misturas asfálticas mornas (WMA – Warm Mix Asphalt). Já temos uma postagem sobre todos os benefícios técnicos, financeiros e ambientais das misturas mornas aqui no Blog, assim como a facilidade do seu uso.

                  Na obra que visitamos o objetivo era diminuir a temperatura de produção do concreto asfáltico de 160°C para 130°C, no entanto foi possível chegar a 120°C. A temperatura mínima que é possível alcançar depende da usina de asfalto, do tipo de agregado, do cimento asfáltico, da umidade local, entre outras variáveis. Nesta usinagem, as emissões de VOC (compostos orgânicos voláteis) apresentaram uma redução de mais de 80% em relação à mistura convencional à quente em 160°C.

Produção de concreto asfáltico em temperatura morna praticamente sem emissões visíveis de fumaça tóxica e particulados.

Descarga do concreto asfáltico ao caminhão sem sinais visíveis de emissão de poluentes.

Controle de temperatura através de termômetro de ponteiro.

Registro de temperatura de 123°C. O mínimo alcançado nesta obra foi 120°C, utilizando aditivo surfactante em baixa dosagem (0,4% por peso de cimento asfáltico).


Medição de emissões de VOCs (compostos orgânicos voláteis) e câmera térmica com gradiente de temperaturas..

                            

                      Economia de combustível na usinagem

                A redução de temperatura de usinagem do concreto asfáltico em 40°C permitiu uma economia de combustível superior a 35%. Isto traz economia para o proprietário da usina de asfalto, reduzindo custos operacionais. No quesito ambiental, o menor consumo significa menos queima de combustível fóssil e grande redução na emissão de CO2 na atmosfera. Em tempos de extremos climáticos em nosso planeta, a descarbonização na pavimentação passa também pela adoção das misturas asfálticas mornas.

A chaminé de saída do filtro da usina de asfalto ao fundo emitindo apenas vapor d´água (fumaça branca) enquanto um técnico mede a temperatura de saída do concreto asfáltico.

Descarregamento em obra sem emissões de fumaças tóxicas, com controle de temperatura através do termômetro..


                        Aplicação impecável com equipe enxuta

                      Da usina de asfalto para a obra, a primeira impressão observada é o trabalho impecável que os uruguaios conseguem executar com poucos trabalhadores. Na vibroacabadora de asfalto é comum ver no Brasil equipes com inúmeros rasteleiros, mexendo e remexendo no concreto asfático, muitas vezes sem a menor necessidade. Nesta obra no Uruguai havia apenas um auxiliar ao operador que ajusta a mesa compactadora e um rasteleiro de cada lado do equipamento, onde as intervenções manuais foram poucas vezes necessárias durante a execução.

                      A vibroacabadora utilizada nesta obra é de alta qualidade, com aquecimento elétrico da mesa compactadora, o que garante um aquecimento homogêneo em toda a largura de pavimentação. No Brasil ainda há um grande predomínio das vibroacabadoras com aquecimento a gás através de pontos de chama para aquecimento direto das chapas alisadoras, sendo necessário ter um botijão de gás no equipamento que recebe concreto asfáltico em alta temperatura. Além do perigo há também a questão da falta de homogeneidade no aquecimento, principalmente no início dos trabalhos e em períodos frios do ano. É comum ver falhas no aquecimento no caso do uso de extensões mecânicas na mesa compactadora com aquecimento a gás. 

                      A nível mundial está praticamente extinto o uso de tal configuração nas pavimentadoras de asfalto, o Brasil segue sendo um dos últimos países que ainda utiliza em larga escala e em todos os tipos de obras, de pequenas ruas municipais até rodovias concessionadas de alto tráfego.

Concreto asfáltico com temperatura morna sem emissões visíveis, uso de vibroacabadora com aquecimento elétrico da mesa compactadora e poucas intervenções manuais na aplicação.

Equipe pequena e trabalho impecável na aplicação em pista.

Superfície após as primeiras passadas do rolo duplo liso vibratório.

Após as passadas do rolo vibratório, entra o rolo de pneus para finalizar a compactação e proporcionar um bom acabamento superficial.

Finalização da compactação de qualidade com consistência homogênea.

                        Utilização de rolos compactadores de qualidade

             Na maioria das obras pelo Brasil há um grande descuido quanto aos rolos compactadores utilizados. Muitas vezes são utilizados rolos improvisados, com adaptações grosseiras de rolos de compactação de solos com cilindro único para permitir a compactação asfáltica. Essas adaptações não são adequadas, pois os rolos compactadores de solos possuem maior amplitude (altura alcançada pelo cilindro em relação ao solo durante a vibração) e menor frequência (quantidade de ciclos por segundo) em comparação aos rolos vibratórios de duplo tambor liso vibratório projetados para compactação asfáltica. Amplitude e frequência inadequada podem prejudicar bastante a qualidade e acabamento final.

                  A obra no Uruguai apresenta um bom exemplo desde a sequência de passadas dos rolos. Inicialmente é utilizado um rolo duplo vibratório, conhecido também como rolo tandem. O rolo de pneus entra posteriormente. No Brasil é muito comum utilizar a sequência ao contrário, entrando o rolo de pneus e posteriormente o rolo duplo liso vibratório, o que é um erro. Já tivemos postagem aqui no Blog sobre sequência correta e boas práticas de compactação asfáltica. 

                      Mesmo no caso do uso correto dos rolos, alguns opcionais que auxiliam a alcançar um bom resultado final praticamente não são utilizados no Brasil. Nesta obra visitada no Uruguai o rolo duplo liso vibratório apresentava um disco de corte na lateral. Este disco é acionado hidraulicamente e executa um corte nas bordas de compactação, deixando uma superfície inclinada e regular que favorece a boa aderência com a camada asfáltica que será aplicada posteriormente na faixa ao lado. Já o rolo de pneus estava equipado com uma lona ao redor dos pneus, o que ajuda a manter temperatura adequada e evita que o asfalto aquecido seja aderido aos pneus, favorecendo um bom acabamento superficial final.

Sequência de compactação com rolo duplo liso vibratório (rolo tandem) e o rolo de pneus ao fundo.

Rolos compactadores equipados com disco de corte no modelo de duplo cilindro liso vibratório e lonas para manter temperatura no rolo de pneus.

Disco de corte lateral favorece uma emenda de maior qualidade.

Rolo pneumático com lona cobrindo os pneus, visando manter maior temperatura e favorecer um bom acabamento superficial..

                            Controle de passadas e utilização de densímetro

                      Raramente encontrado em obras brasileiras, o densímetro não-nuclear é uma ótima ferramenta para controle de compactação. Fácil de transportador e manusear, após a calibração o densímetro informa o grau de compactação muito próximo do valor real sem necessidade de retirada de amostras. Assim é possível verificar o número de passadas necessárias para alcançar o grau de compactação desejado. Um erro comum nas obras do Brasil é passar um número muito maior do que o necessário para “garantir” a compactação, sendo que passadas em excesso pode causar efeito contrário e gerar desagregação dos materiais, além do surgimento de trincas e fissuras.

                      No caso específico desta obra, por estar utilizando o aditivo surfactante para misturas mornas, houve uma redução no número de passadas necessárias. Com uma espessura de 8 centímetros a camada asfáltica precisou de apenas 4 “fechas” (ida e volta do rolo tandem e do rolo de pneus) para alcançar grau de compactação próximo de 100%.

Utilização do densímetro após as primeiras passadas dos rolos compactadores.

Calibração do densímetro e medição conforme aumento do número de passadas dos rolos.

Tela do densímetro mostrando o resultado medido de 99,2% de grau de compactação da camada asfáltica após 4 fechas (ida e volta) dos rolos compactadores.

Compactação finalizada resultando em uma pavimentação de alta qualidade.

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                            Próximo passo: uso de RAP na usinagem de novas misturas asfálticas

                   Na agenda uruguaia de “asfaltos sostenibles” (asfaltos sustentáveis) está previsto um início do uso do material asfáltico reciclado, o RAP. Por ser uma indústria relativa pequena quando comparada a países de maior população e extensão territorial, o Uruguai ainda não havia iniciado processos para reutilização do material asfáltico que estava sendo fresado de pavimentos envelhecidos pelo fato de que ainda não haviam enormes depósitos de RAP como ocorre no Brasil.

                      Pelo fato de que praticamente todas as usinas de asfalto existentes no Uruguai são de fabricantes brasileiros, a tendência é que o reuso do RAP seja em dosagem ao redor de 20% na mistura e com adição direta ao misturador da usina. Aqui no blog tivemos já algumas postagens sobre a melhor forma de reaproveitamento de RAP (como neste texto de janeiro de 2024). Por se tratar de usinas de asfalto móveis sem aquecimento indireto do RAP com o material entrando ao misturador, tecnicamente a melhor solução é em combinação com misturas asfálticas mornas. Esta é a linha técnica que deve ser seguida no país vizinho, trazendo um grande grau de sustentabilidade e também uma grande economia aliando alta qualidade na pavimentação com o reaproveitamento do RAP. 

                      O correto uso do RAP com estudo prévio do material e dosagem em laboratório permite reduzir o consumo do cimento asfáltico de petróleo, o material mais caro na pavimentação. A redução no consumo do ligante asfáltico virgem aumenta ainda mais o índice de sustentabilidade na pavimentação e traz ao mesmo tempo redução de custos.

É possível produzir misturas asfálticas altamente sustentáveis de qualidade ao combinar as misturas mornas com uso de RAP.