O Brasil tem pouco mais de 12% de sua malha viária pavimentada, o que representa aproximadamente 213.000 quilômetros, sendo que mais da metade destas rodovias estão em estado regular, ruim ou péssimo (fonte: pesquisa CNT – Confederação Nacional dos Transportes, 2024). Nesta mesma pesquisa ainda são apresentados dados a respeito da baixa densidade da malha pavimentada do país (25,1 km/mil km²) enquanto países como China e Estados Unidos apresentam números muito superiores (447 e 437,8 km/mil km² respectivamente). Nossos vizinhos da América do Sul também estão a nossa frente tais como Uruguai (43,9), Argentina (42,3) e até mesmo o Equador (31,4). Estamos a frente apenas do Paraguai (21,1) e da montanhosa Bolívia (8,9). Ou seja, a carência de infraestrutura no Brasil ainda é gigantesca para um país de dimensões continentais e atualmente a oitava economia do mundo.
Os dados
mostram que ainda há muito a ser feito na infraestrutura do país, especialmente
para diminuir o grande percentual de rodovias não-pavimentadas e aumentar a
densidade da malha pavimentada. Ou seja, é preciso adotar técnicas de
preservação de pavimentos para que não haja um aumento na degradação que venha
a gerar maiores danos e assim maiores custos para reparos e manutenção
corretiva, atrapalhando também a expansão da malha pavimentada. Hoje grande
parte dos problemas existentes nas
rodovias brasileiras são ocasionadas pela falta de manutenção adequada e aumento substancial das cargas
aplicadas pelo tráfego pesado, cuja solução para resolver este problema
estrutural de forma rápida e econômica pode ser a reciclagem profunda com emulsão asfáltica.
A nível
mundial a técnica mais utilizada para manutenção preventiva e preservação de
pavimentos é o microrrevestimento asfáltico à frio, conhecido também pela sigla MRAF. Pela forma rápida e fácil de
aplicação, utilizando uma usina móvel acoplada a um caminhão, promovendo a
mistura de agregados, emulsão asfáltica modificada por polímero e aditivos,
dosando e aplicando em tempo real. No Brasil é bastante utilizado especialmente
pelas concessionárias de rodovias, porém a nível de obras públicas o percentual
utilizado ainda é muito menor quando comparado com as rodovias privadas. Abaixo,
um vídeo da empresa Asfaltopav mostrando como é executado o MRAF:
Podemos
selecionar 10 razões técnicas para que o microrrevestimento asfáltico
à frio seja mais utilizado e difundido no Brasil:
1. AUMENTO DA VIDA ÚTIL DO PAVIMENTO
O pavimento asfáltico pode ter sua vida útil prolongada entre 4 e 8
anos, dependendo de outras variáveis tais como condições das camadas de base,
volume de tráfego (se não ocorrer um aumento significativo de acordo com o
projeto inicial de dimensionamento), ou surgimento de trincas de maior tamanho,
etc. Para pequenas fissuras a técnica serve para preencher os espaços,
retardando a propagação das mesmas. Embora não tenha função estrutural, o MRAF
suporta muito bem os esforços aplicados pelo tráfego pesado nas principais
rodovias do Brasil, protegendo a estrutura do pavimento.
MRAF aplicado em duas faixas, do lado esquerdo com a emulsão já rompida e do lado direio com a emulsão ainda em processo de rompimento.
2. MELHORIAS TÉCNICAS NAS CONDIÇÕES FUNCIONAIS
Pequenas irregularidades ou pavimentos em condições de desgaste
superficial com baixo atrito (asfalto muito liso) ou excesso de ruído (alta
rugosidade) podem ser tratados com a aplicação de uma simples camada de MRAF. Alguns
pavimentos com problemas podem ter uma restauração de suas características
funcionais, melhorando o conforto e segurança do rolamento.
O MRAF apresenta melhores condições de rolamento e de ruído em relação
aos tratamentos superficiais do tipo TSS (Tratamento Superficial Simples) e TSD
(Tratamento Superficial Duplo), até pela forma de aplicação que garante uma
mistura homogênea enquanto os tratamentos são dependentes do espargimento, sendo
assim mais suscetível a ocorrer algum desajuste no processo tais como
entupimento de bicos, além de não cobrir totalmente os agregados pois os mesmos
são espalhados sobre o pavimento antes da aplicação da emulsão asfáltica. Sobre
a forma de aplicação de ambas as técnicas, os detalhes já foram postados aqui
no Blog em um artigo de 2018.
Execução do MRAF ocorre de forma rápida e precisa.
3. REDUÇÃO DE CUSTOS DE MANUTENÇÃO
As camadas de CBUQ (concreto betuminoso usinado à quente) sofrem um
lento processo de oxidação e envelhecimento, sendo necessário que um dia essa
camada seja removida através da fresagem asfáltica e a colocação de uma nova
camada após o fim da vida útil da camada de rolamento. Ou seja, uma nova
mistura de CBUQ precisará ser usinada, transportada, aplicada e compactada.
O uso do MRAF é muito mais barato do que o processo de fresagem e
reconstrução, portanto ao longo dos ciclos de manutenções pode representar
reduções de custo bastante significativos. As fotos abaixo mostram dois
momentos: após a aplicação de uma faixa do microrrevestimento asfáltico e a
segunda foto a condição do pavimento após a finalização da obra, apresentando uma
rodovia com o pavimento revitalizado.
Aplicação de uma camada de MRAF com a emulsão ainda na
coloração marrom antes do rompimento, quando ocorre a separação da fase
asfáltica da fase aquosa após evaporação ou absorção da água pelos agregados.
MRAF após o rompimento (faixa do lado direito) com uma coloração
mais escura.
Pavimento em excelente condição após a aplicação de MRAF e
sinalização.
4. DIMINUIÇÃO NO USO DE MATÉRIA-PRIMA
Na mesma comparação com a técnica de remoção da camada asfáltica
degradada através da fresagem e da usinagem a aplicação de uma nova camada,
ocorre uma grande diminuição no uso de matéria-prima virgem que consiste em
agregados minerais e cimento asfáltico de petróleo (CAP). A economia é de pelo
menos 30%, dependendo da profundidade de fresagem e espessura da nova camada a
ser construída o número pode ser ainda maior. Em regiões com carência de
fornecimento de insumos pode ser bastante significativo essa diferença.
MRAF cerca de 2 horas após a aplicação.
5. EXECUÇÃO ÁGIL E RÁPIDO RETORNO DO TRÁFEGO
A aplicação do MRAF é feita de forma rápida utilizando um equipamento conhecido
como Usina de Micropavimento, acoplado a um caminhão que se locomove ao mesmo
tempo que o equipamento executa a dosagem e mistura dos agregados com a emulsão
asfáltica do tipo RC (ruptura controlada) com aplicação simultânea sobre o
pavimento através de uma mesa acabadora.
O retorno do tráfego pode ocorrer em até 2 horas, podendo chegar a
apenas 1 hora de liberação com o uso de aditivos especiais que podem ser
adicionados na emulsão asfáltica.
Aplicação do MRAF com a utilização de usina móvel apropriada.
6. IMPERMEABILIZAÇÃO DO PAVIMENTO.
A aplicação do MRAF permite a impermeabilização da estrutura do
pavimento, prevenindo a ação da água que pode causar um grande dano ao penetrar
por trincas e fissuras existentes. Junto da ação da carga aplicada pelo tráfego
pesado ocorre uma combinação resultando em um efeito erosivo da parte inferior
para a parte superior do pavimento, com bombeamento de finos e perda gradativa
da capacidade estrutural, levando a estrutura gradativamente até uma situação
de colapso.
Condição do MRAF logo após a sua aplicação.
7. APLICAÇÃO EM TEMPERATURA AMBIENTE.
O uso da emulsão asfáltica é a maneira de aplicar em temperatura
ambiente um produto asfáltico para produzir uma mistura consistente. A química
presente se dá através de agentes emulsificantes (surfactantes ou tensoativos)
que permite a dispersão do asfalto na água e a posterior ruptura da emulsão,
quando o asfalto se separa da fase líquida e adere ao agregado mineral ou à
superfície onde foi aplicada. Em termos simples, é quando a emulsão “seca” e o
asfalto volta a agir como um ligante sólido, passando de uma coloração marrom
para uma cor mais escura. Este processo é essencial para que a mistura ganhe
resistência mecânica e durabilidade.
O uso da emulsão asfáltica no MRAF permite que a aplicação ocorra em
temperatura ambiente, sem aquecimento do produto asfáltico, reduzindo as
emissões de CO2 de forma significativa. Além do menor impacto ambiental, a
técnica garante mais segurança e salubridade para os trabalhadores e boa
trabalhabilidade em climas úmidos.
MRAF aplicado em temperatura ambiente, sem necessidade de
aquecimento do ligante asfáltico.
8. FACILITA FUTURAS INTERVENÇÕES DE MANUTENÇÃO.
O emprego do MRAF permite que as intervenções técnicas sejam otimizadas
de modo a aumentar a vida útil do pavimento de forma econômica e de rápida
execução. Em combinação com a técnica da microfresagem asfáltica, a camada
delgada do MRAF pode ser facilmente removida, sem necessidade de remover a
camada de CBUQ abaixo caso a mesma se encontre em boas condições. Se a camada
de MRAF não apresentar desgastes significativos, uma segunda camada pode ser
aplicada acima sem necessidade de remoção.
A microfresagem asfáltica é uma técnica que utiliza tambores de corte
nas fresadoras com maior número de ferramentas de corte (bits) e uma
profundidade bastante rasa, geralmente de apenas 10 mm. Assim é possível
realizar a substituição de camadas delgadas de forma rápida e ágil. Nas fotos abaixo (fonte: João Francisco
Canevari Júnior, empresa Asfaltopav) podemos observar como fica o pavimento
após a intervenção de microfresagem.
A microfresagem de camada asfáltica é uma leve raspagem do
pavimento com o uso de um tambor de corte com maior número de ferramentas e
menor espaçamento entre as linhas de corte.
Aplicação de MRAF logo após a microfresagem do pavimento
existente.
9. APRIMORAMENTO DO SISTEMA DE GERENCIAMENTO
DE PAVIMENTOS
A técnica permite uma adequação do Sistema de Gerenciamento de
Pavimentos (SGP) à realidade de campo com macro análise focada no ciclo de vida
de longo prazo. Conforme já mencionado, o MRAF pode ser aplicado de forma
sucessiva caso não apresente desgastes significativos. Caso apresente desgastes
ou algum tipo de defeito, pode ser removido através da microfresagem. Se a
camada asfáltica abaixo não apresentar algum tipo de problema, as manutenções
ocorrem apenas na parte superficial. Se a estrutura se mantiver intacta, as
manutenções se concentram apenas nas camadas asfálticas.
Sem o uso do MRAF, a alternativa para manutenção de pavimento asfáltico
se limitaria na sua remoção através da fresagem asfáltica assim que a camada
asfáltica alcançar o fim de sua vida útil. A presença do MRAF agrega uma
proteção para a camada asfáltica de modo a retardar o seu envelhecimento
natural, que ocorre também em função da exposição à radiação solar e as
variações de temperatura.
Imagem aérea da execução do MRAF divulgado pela empresa
Garcia Monteiro.
10. REAPROVEITAMENTO DO RAP
Um tema muito debatido no campo técnico e acadêmico da pavimentação é o
reaproveitamento do material asfáltico reciclado, o RAP (Reclaimed Asphalt Pavement), popularmente chamado no Brasil de
material fresado. Se discute muito o reaproveitamento de RAP em usinas de asfalto assim como em misturas asfálticas à frio tais
como PMF, etc. Assim como nestas outras técnicas de pavimentação, o uso do RAP
pode ser também perfeitamente empregado na aplicação de MRAF. Já tivemos no
Brasil diversas experiências, reduzindo o uso de agregados virgens e assim
dando destinação a volumes de RAP que estavam sem o devido reuso.
Os imensos depósitos de RAP que se acumulam em todo o Brasil podem ter
parte de seu estoque direcionado também para o uso em MRAF, com o devido
peneiramento, destorroamento e separação granulométrica específica.
O uso do RAP no MRAF já é uma realidade em diversos
projetos, tais como este divulgado pela empresa Garcia Monteiro, onde foi
utilizado 70% de RAP.
Ainda há
espaço para melhorias técnicas no uso do microrrevestimento asfáltico no
Brasil. A técnica encontra algumas objeções em função de projetos mal elaborados
ou mal executados. No entanto mesmo obras bem executadas podem ser aprimoradas
tecnicamente através dos seguintes pontos:
·
Aplicação em trechos contínuos representam uma
grande redução no custo por metro quadrado em relação a aplicações em trechos
segmentados e descontínuos, o que ainda é muito realizado no Brasil mesmo por
concessionárias privadas de rodovias;
·
Curva granulométrica pode ser aprimorada com o
afinamento da curva, melhorando a macrotextura superficial e reduzindo o ruído gerado
pela passagem do tráfego;
· A utilização de agregados de boa qualidade, com menos presença de argilas e outros tipos de contaminações;
· Uso de emulsão asfáltica customizada em condições especiais tais como aplicações noturnas, clima mais frio, agregados mais reativos e planos de aplicação com menores janelas de trabalho;
·
Aprimorar o controle de ruptura usando aditivos
específicos, não dependendo totalmente do clima e do uso excessivo de água,
como ocorre em boa parte das obras pelo Brasil.
Para quem deseja se aprofundar
mais sobre o MRAF, o vídeo abaixo publicado pelo IPOS Especialização apresenta
valiosas informações com a participação da empresa Garcia Monteiro, uma das
mais especializadas no Brasil nesta aplicação: