quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Pavimentação urbana no Brasil


Primeiramente gostaria de agradecer os contatos que recebo com frequência vindos através do blog, por e-mail ou diretamente por mensagens de WhatsApp. O blog tem mantido uma média superior a quatro mil acessos por mês, mesmo sem eu nunca ter feito divulgação alguma. Apenas pela sequência de postagens desde 2012 o blog acabou ficando bem posicionado nas buscas através de palavras-chave, e assim a “audiência” foi crescendo. Procuro sempre responder a todos, mesmo que algumas vezes demore vários dias.
Em função de razões pessoais e profissionais, não consegui atualizar o blog com a frequência que gostaria em 2019. Mas estou já com alguns novos assuntos “no forno”, prestes a serem postados. 

E a pavimentação urbana do Brasil, como melhorar?

Não é preciso ser especialista em pavimentação para constatar que a qualidade da pavimentação das cidades brasileiras é péssima. Seja em grandes capitais ou em cidades pequenas do interior, é cada vez mais difícil encontrar uma avenida ou rua que esteja em ótimo estado de conservação. Mesmo em obras executadas há pouco tempo é comum o aparecimento de defeitos precoces. Trafegar pelas vias brasileiras tem sido cada vez mais um teste de perícia e paciência para desviar de tantos buracos e defeitos.
Quais são as razões? Inúmeras. Primeiramente a cultura de baixa qualificação técnica dos trabalhadores que executam as obras e a falta de exigências de qualidade pelos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização das obras. A maioria das falhas são as mesmas, repetidas do Oiapoque ao Chuí. E quais são as falhas mais comuns? Os 10 principais problemas observados na pavimentação urbana brasileira:

1. AUSÊNCIA DE ESTUDOS, PROJETOS TÉCNICOS E PROCEDIMENTOS EXECUTIVOS DE PAVIMENTAÇÃO

Raramente os municípios fazem estudo de tráfego, sondagem da base (para verificar o CBR existente) ou dimensionamento adequado das camadas por algum método (Marshall, Superpave, etc). O que fazem é simplesmente pavimentar de qualquer maneira sobre uma base aparentemente compactada. Os problemas ocorrem principalmente em vias onde há tráfego mais pesado, com circulação de ônibus e caminhões.
A falta de investigações, de estudos e a ausência de projetos adequados resultam em falhas precoces e pavimentos destruídos em tempo cada vez mais curto. No entanto os maiores erros se percebem durante a execução. São raras as equipes de pavimentação de prefeituras que tenham recebido treinamentos técnicos, ou que sigam algum manual com procedimentos que os orientem durante a execução das obras.
Em muitas cidades se observam técnicas bizarras, como as fotos abaixo flagradas em uma rua de Porto Alegre. Como justificar um gasto público com uma aplicação tão sem sentido? Irregularidade de paralelepípedo basta remover as pedras, corrigir o solo abaixo, compactar e assentar as pedras novamente.

Em Porto Alegre adotam esta “técnica”: correção do desnivelamento da via em paralelepípedo com aplicação de algum tipo de mistura asfáltica.


2. DESCONHECIMENTO TÉCNICO DAS OPÇÕES DE EQUIPAMENTOS E MATERIAIS

As prefeituras têm imensas dificuldades técnicas em definir quais são os equipamentos que podem auxiliar na manutenção viária. Muitas vezes por falta de conhecimento de seu corpo técnico são licitadas máquinas inadequadas para a realidade local.
Por exemplo, uma usina de asfalto a quente exige um alto valor financeiro para ser comprada e também para realizar manutenções preventivas. Quando ocorre alguma manutenção corretiva, em função de alguma falha de operação, o custo é ainda maior. Somente cidades com boa saúde financeira conseguem manter em operação uma usina de asfalto para produção de CBUQ. Mas não basta a usina, é preciso também planejar como o asfalto será aplicado e o maquinário necessário. Muitas vezes o asfalto produzido é aplicado de forma inadequada, com o uso de motoniveladoras em vez de vibroacabadoras de asfalto, resultando em um pavimento com imperfeições.

Usina de asfalto da prefeitura de Porto Alegre. Em 2013 foram adquiridos dois modelos de 140 toneladas por hora de produção, porém não produzem nem 20 toneladas por dia. Mais um exemplo de desperdício de dinheiro público.

Uma solução para cidades de médio e pequeno porte é a aquisição de usinas de PMF (pré-misturado a frio). Há modelos de equipamentos com menor capacidade de produção, podendo atender perfeitamente a realidade de muitos municípios. O PMF pode ser utilizado tanto em operações tapa-buraco quanto em pavimentação de ruas de baixo tráfego. Em vias de maior tráfego pode ser utilizado também, desde que tenha um projeto de mistura adequado, assim como o dimensionamento das camadas de base. Hoje no mercado há inúmeros tipos de emulsões asfálticas sendo comercializados, podendo produzir uma mistura a frio com qualidade


3. FALHAS BÁSICAS NOS PROCEDIMENTOS DE EXECUÇÃO

Se a falta de treinamento de mão-de-obra especializada é bastante comum em grandes construtoras, a situação nas prefeituras é muito pior. Praticamente não há treinamento algum para os funcionários responsáveis. O conhecimento é repassado de forma precária dos mais experientes para os mais novos. Só que esses conhecimentos são geralmente ultrapassados, e muitas vezes estão tecnicamente errados.
É preciso que as prefeituras através da secretaria de obras e da maior autoridade do município (o prefeito) busquem capacitações para os profissionais responsáveis pelas obras de pavimentação. Justamente para evitar situações como a da foto abaixo, onde a pintura de ligação foi aplicada de maneira precária e sem cumprir com sua função técnica no processo de pavimentação.
A fiscalização dos serviços das empresas ganhadoras de licitação também precisa ser melhorada. Erros básicos são cometidos em todas as etapas da pavimentação, mas raramente alguma medida é tomada contra a empresa executora. Muito em função da falta de capacitação dos servidores responsáveis pela fiscalização, que simplesmente desconhecem a forma adequada de executar uma obra de pavimentação asfáltica. 

Pintura de ligação aplicada de forma manual e precária. Desta maneira não há como garantir a coesão entre base e a nova capa asfáltica.


4. SOBREPOSIÇÃO DE CAMADAS ASFÁLTICAS

Infelizmente uma prática muito comum pelo Brasil. O asfalto danificado e envelhecido não é removido. Simplesmente colocam uma nova camada asfáltica por cima, esquecendo o que permanece por baixo.
Esta prática gera reflexão de trincas para a nova camada asfáltica. Uma camada asfáltica nova sobre outra camada existe com muitos defeitos, sem realizar a remoção através da fresagem. Quando ocorre uma situação como esta, o pavimento já está condenado a sofrer trincas por reflexão.


Uma camada asfáltica totalmente trincada recebe uma nova camada de pavimentação acima. Fotos: Felipe Cava, blog Além da Inércia: https://alemdainercia.wordpress.com/

5. FALTA DE NIVELAMENTO NA PAVIMENTAÇÃO:

Trafegar nas cidades brasileiras significa sacolejar o tempo todo. Não apenas por causa dos buracos, mas também por causa da falta de nivelamento na pavimentação tanto no sentido longitudinal quanto no transversal. Praticamente não há o uso dos sistemas de nivelamento eletrônico nas pavimentadoras (vibroacabadoras) de asfalto que executam a pavimentação. A mistura asfáltica é aplicada por cima de uma base nivelada apenas pela passagem da lâmina de uma motoniveladora, o que não garante a regularidade geométrica.
Como melhorar? Há sistemas mais simples de nivelamento eletrônico. A instalação de sensores ultrassônicos faz com que a média das irregularidades seja repassada para a mesa compactadora da máquina, amenizando os desníveis longitudinais.

Raramente utilizam os sistemas de nivelamento automático nos equipamentos. O que poderia diminuir as irregularidades longitudinais e transversais dos pavimentos asfálticos.

O uso de simples sensores ultrassônicos, sem contato, pode melhorar a qualidade da pavimentação de ruas e avenidas.


6. USO INDISCRIMINADO DO ASFALTO À FRIO ENSACADO

Eis uma prática que se dissemina feito erva-daninha pelo Brasil. O uso desenfreado do asfalto ensacado, como se fosse uma solução mágica para resolver todos os problemas das vias públicas brasileiras.
O asfalto a frio ensacado é uma mistura asfáltica que utiliza um aditivo especial, que aumenta sua capacidade lubrificante e permite que o material seja ensacado logo após ser produzido. Posteriormente, ao abrir o saco, inicia-se o processo de reação do aditivo com o oxigênio, diminuindo a trabalhabilidade da massa asfáltica e provocando o endurecimento do material.
O produto não é ruim, desde que seja utilizado de forma adequada. Para prefeituras que não tenham maquinário próprio, ou regiões do Brasil que são carentes de empresas especializadas em pavimentação, o asfalto ensacado pode ser uma ótima opção para ser utilizado em caráter emergencial para operações tapa-buraco.
Acontece que alguns fornecedores do produto vendem “gato por lebre”. Afirmam que o material pode ser aplicado em buraco cheio d´água e que pode ser compactado pelo próprio tráfego. Uma bobagem total. Nenhum buraco com água dentro é devidamente tapado sem estar seco, é uma lei básica da física (dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo). Se a água não é removida, então como o novo material vai preencher o volume e não se soltar dentro de pouco tempo?
Outra inconsistência técnica divulgada por alguns fornecedores é que o asfalto ensacado pode ser compactado pelo próprio tráfego. Isto significa que o serviço é precário, sem estar nivelado com o pavimento existente. Resumindo: dinheiro público sendo rasgado através de um serviço muito mal feito.

Aplicação precária e péssima qualidade final são características comuns no uso de asfalto ensacado para tapar buracos.


7. CULTURA DO REMENDO “AD ETERNUM”

A mistura asfáltica tem uma vida útil. Depois que perde sua capacidade flexível, após sofrer um gradual processo de oxidação, passa a sofrer com o surgimento de trincas e fissuras. É preciso então remover totalmente a camada envelhecida e aplicar um novo material. Mas o que fazem as prefeituras? Vão aplicando remendo ao lado de remendo.
Em algum momento o pavimento asfáltico vai entrar em colapso. Em alguns casos o prazo de validade já está tão vencido que basta uns dias de chuva para o pavimento literalmente “se dissolver”. É o famoso asfalto “Sonrisal”. Infelizmente uma realidade muito comum das cidades brasileiras.


A precariedade do asfalto brasileiro gera piadas e memes na internet.


8. TAPA-BURACO EXECUTADO DE FORMA ERRADA

A operação tapa-buraco é necessária para consertar a via de forma emergencial. Mesmo em países onde jorra petróleo do solo e dinheiro não é problema, não há como substituir totalmente a camada asfáltica quando surge um único buraco. Ou seja, as operações emergenciais para tapar buracos são realizadas mesmo em países onde a pavimentação é impecável. Só que esta operação deve seguir alguns procedimentos técnicos.
Uma das falhas mais comuns no tapa-buraco é jogar o material sobre um buraco sem recortar o mesmo. Ao redor de um buraco existente há inúmeras trincas por onde a água entra e assim inicia o processo de degradação do pavimento. Ou seja, um novo buraco pode surgir ao lado do buraco que recém foi tapado.
Outras ocorrências de má-qualidade na execução do tapa-buraco é a falta de pintura de ligação para garantir a aderência da nova mistura asfáltica, o uso de material asfáltico inadequado, a falta de nivelamento com o pavimento existente, falhas ou até mesmo ausência de compactação do novo material, entre outros erros.

Os buracos devem ser recortados, preferencialmente através de fresagem. O novo material deve ser colocado de forma homogênea, compactado e nivelado.


9. DESNIVELAMENTO DE BUEIROS E TAMPAS DE INSPEÇÃO

Eis aqui um dos maiores problemas da pavimentação urbana brasileira. As prefeituras são totalmente omissas em relação aos desníveis de bueiros e tampas de inspeção nas ruas e avenidas das cidades. Desníveis que podem até mesmo ocasionar acidentes graves.
Em muitas cidades o asfalto deteriorado sequer é removido, colocando uma nova camada sobre a capa existente. Porém o bueiro segue na altura anterior, resultando em um grande e perigoso desnível. Esta diferença na altura da tampa deveria ser ajustada para o nível do novo pavimento.

Tampas de inspeção e bueiros desnivelados é um problema muito comum em praticamente todas as cidades do Brasil.

Vejam como que se faz a adequação da altura de tampa de inspeção na Alemanha:




10. INTERFERÊNCIAS DAS COMPANHIAS DE ÁGUA, ESGOTO, GÁS, ETC.

É muito comum pelo Brasil os órgãos municipais de água e esgoto realizarem a escavação em um pavimento relativamente novo para realizar algum conserto ou instalação de tubulação. O problema é que na grande maioria dos casos o acabamento do local que foi trabalhado fica péssimo, com remendos muito mal feitos.
Em geral são utilizados materiais de baixa qualidade, com misturas asfálticas diferentes do restante da camada asfáltica da via. Os procedimentos técnicos de aplicação e compactação são inadequados, muitas vezes realizados de forma precária, manualmente. Não é incomum permanecer um desnível com o pavimento existente.
Para os departamentos de água, esgoto, gás, etc, é preciso também fornecer o devido treinamento, caso estes órgãos venham a executar consertos que exijam a escavação do pavimento asfáltico e o seu fechamento posterior. 

A falta de planejamento e a intervenção de outros órgãos municipais em uma via pavimentada geram problemas de qualidade no pavimento