Um
pavimento rodoviário pode ser comparado a um Iceberg. É possível enxergar apenas
uma pequena amostra, enquanto a sua maior parte não é visível. E isto leva a
muitos equívocos.
A
forma como vem sendo realizada as manutenções viárias no Brasil acabam focando
apenas na parte visível, que é a capa asfáltica de rolamento. Operações de
remoção da camada asfáltica deteriorada e a reposição por um novo material é a
prática mais comum, a conhecida e popular “fresa e capa”. Ocorre que na grande maioria dos casos esta
solução é totalmente ineficaz, podendo ser considerada como um caso de “tomar
aspirina para tratar um câncer”. Ou de
enxugar gelo.
A
malha rodoviária brasileira tem mais de 70% de suas rodovias pavimentadas com
idade superior a 40 anos desde a sua construção, segundo dados do DNIT. Os
projetos brasileiros na grande maioria foram desenhados para uma vida útil de
apenas 10 anos. Além de ter ultrapassado em muito a vida útil, houve um aumento
exponencial do volume de tráfego. Não bastasse isto, ainda tivemos um aumento
brutal do peso dos caminhões, que transportam cargas cada vez mais pesadas, e
em muitos casos com pneus mais finos. Isto destrói uma estrutura de um
pavimento feito dinamite.
As
obras de conservação rodoviária no Brasil geralmente têm se limitado a fresar
uma determinada espessura do asfalto deteriorado e aplicar um novo material
asfáltico. Como os problemas na grande maioria das vezes vêm das camadas
subjacentes, o procedimento de “fresa e capa” acaba se tornando inútil. Em
alguns casos basta poucos meses para que os problemas de trincas, fissuras, formações
de buracos ou afundamentos voltem a surgir. E há também problemas de qualidade
da nova mistura asfáltica e falhas de aplicação com a vibroacabadora e rolos
compactadores.
A
cultura de apenas tratar o que é visível é comprovada através dos avanços que
tivemos nas últimas duas décadas com a pesquisa e desenvolvimento de diferentes
tipos de misturas asfálticas, enquanto as camadas estruturais do pavimento
continuam sendo as mesmas.
Os
pavimentos ao serem submetidos a cargas acabam se deteriorando de baixo para
cima. Todo material ao receber uma carga acaba sofrendo compressão na parte
superior e tração na parte inferior, desde que este material seja ligado, isto
é, tenha algum agente de coesão que mantenha as partículas unidas. Toda a
estrutura do pavimento é projetada para resistir a um certo número de
solicitações de carga, apresentando um comportamento elástico. Ou seja, o
material sofre uma leve deformação e retorna ao estado inicial após a passagem
da carga. Depois de um certo número de aplicações de carga o material não
retorna ao seu estado original, originando a trinca. A falta de controle de
peso dos caminhões pode acarretar um surgimento extremamente precoce destas
patologias, pois as camadas não foram devidamente dimensionadas para tal carga.
A partir do momento que as camadas inferiores do pavimento já sofreram com o
início de propagação de fissuras e trincas é inútil realizar a manutenção apenas
na camada asfáltica superior pois em pouco tempo os problemas voltam a ser
visíveis.
Um
grande avanço técnico para as camadas estruturais de base foi a pesquisa e
desenvolvimento das bases estabilizadas com espuma de asfalto (BSM – Bitumen
Stabilized Material), que eu postei aqui no Blog em janeiro de 2016. O BSM
ainda é uma tecnologia recente, desenvolvida na Alemanha e ainda pouco aplicada
na América Latina, todavia está em franco crescimento em muitos outros países. A
grande vantagem do BSM é que o asfalto na forma de espuma cria inúmeros pontos
de conexão entre os agregados que compõem a camada de base. Assim o material
não está solto e ao mesmo tempo não está totalmente ligado, evitando a
propagação de fissuras e passagem de água que destroem uma estrutura. Haverá
com o tempo, após a passagem das cargas do tráfego, uma consolidação do
material, ou seja, uma forma de compactação cujo assentamento do material gera
apenas deformações superficiais. Neste caso, é necessário fresar e pavimentar a
camada superior apenas. A estrutura abaixo está compactada e intacta.
A
importância das camadas estruturais de base deve sempre ser levada em conta. Seja
em construção de novas rodovias, em projetos de recuperação de estradas
deterioradas ou mesmo em pavimentação urbana. É muito comum nas cidades
brasileiras ruas ou avenidas onde passam caminhões e ônibus com o asfalto em
péssimas condições. Muitas vezes por falta de um suporte de base adequado, o
que explica a precoce deterioração poucos meses após um trabalho de recuperação
asfáltica. O dimensionamento é fundamental para obter um pavimento de qualidade
e duradouro.
Para
recuperação de rodovias deterioradas a melhor solução é a reciclagem de asfalto
(post de 2014 no blog) com a possibilidade de utilizar materiais de reforço,
tais como cimento, emulsão asfáltica, espuma de asfalto ou agregados para
correção granulométrica da mistura. Esta técnica já é utilizada no Brasil desde
a metade dos anos 90, mas ainda em número muito abaixo do necessário. Em alguns
Estados do Brasil ainda há um grande atraso em relação às soluções técnicas
adotadas. Em rodovias onde é visível o comprometimento da estrutura, muitas
vezes são utilizadas soluções inadequadas para tal situação, tais como
microrevestimento e aplicação de PMF.
Veja
o comparativo da técnica da Reciclagem em relação às demais soluções:
1. Reconstrução: necessidade de transportar o
material danificado e trazer novos materiais para construir camada por camada
uma nova estrutura do pavimento.
2. Sobrecamadas: ignorar os problemas de suporte e
pavimentar uma nova e fina camada asfáltica. É o famoso “asfalto eleitoral”.
3. Reciclagem: em uma única passagem da
recicladora, os materiais existentes são 100% reaproveitados, com necessidade
mínima de adição de materiais de reforço.
Segue
algumas fotos de operações de reciclagem in-situ abaixo:
1. Reciclagem
de pavimento asfáltico e base de solo argiloso com a incorporação de cimento
2. Reciclagem
de pavimento asfáltico com incorporação de agregados para correção
granulométrica